lunes, 29 de junio de 2009

Estruturas humanas

Na Espanha sempre me perguntavam quantas línguas eu falo, sempre respondi que falo português, inglês e aprendendo espanhol. Bem nessa ordem. E todo mundo me pergunta se eu falo chinês, aliás aqui no Brasil também me perguntam e a pergunta tem fundamento pois sou filha de chineses, a chamada primeira geração, ou seja, nascida aqui,  meus pais vieram adultos. Falo em chinês com meus pais, mas tenho resistência em dizer que falo a língua, porque não falo mandarim, a língual oficial e sim um dialeto que, segundo meu primo, é um dialeto caipira e pouquíssimo conhecido. E meu chinês é todo misturado com português. Porque minha mãe nunca aprendeu muito português então costuma colocar as poucas palavras que conhece. E hoje, até entendo isso melhor, vc acaba usando palavras da língua que são mais fáceis ou que expressam melhor aquilo que vc quer dizer. E essa mistureba que uso sempre foi motivo de riso para quem me ouvia falar com eles, porque ninguém entende nada no início mas ai, no meio, o povo vai pescando as palavras em português que  mostram direitinho o que eu to falando.

Mas minha resistência também vem do fato que se me largarem na China, eu não me viro em chines. Já testei. E também porque quando falo com os meus pais, não tenho vocabulário para algumas palavras e comprovei isso recentemente.

Minha mãe se preocupa comigo o que eu diria é normal numa mãe. Ela se preocupa porque eu não tenho filhos, não tenho marido e não tenho emprego.

Parece bem coerente essa preocupação né? Da última vez que ela me falou isso, respondi em português que ela não deveria se preocupar porque eu estou feliz.

E para quantas pessoas, além da minha mãe, eu pareço problemática por não ter filhos, marido e trabalho? Nunca havia pensado nisso até ouvir um comentário nessa linha.  E parei para refletir. Realmente, os pilares da sociedade e da vida humana são família e trabalho, entendo isso perfeitamente porque claro que família é bom e trabalhar é necessário e se for produtivamente, fazendo o que se gosta e ganhando dinheiro, é sonho de consumo de todo mundo né?

Então vamos lá. Filhos. Poxa, adoro pegar aqueles bebês fofos no colo e entendo e sinto um pouco do chamado amor incondicional. Como não gostar dessas coisas fofas, lindas e cheirosas? Mas eu tenho 9 sobrinhos, cresci com eles, cuidei de alguns quando era mais nova (acho que é daí o meu jeitinho com crianças) e sei também o quanto criança dá trabalho e necessita de atenção constante. Não tenho a menor ilusão nessa parte. Tenho uma irmã querida que optou por não ter filhos, tenho amigas que optaram em não ter filhos e entendo perfeitamente. Eu não fiz essa opção. Sempre achei que tem uma ordem natural, primeiro namorado, depois marido e ai, sim pai. Simplesmente não cheguei nessa terceira fase. Caem drasticamente as minhas chances de ter filhos? Sim, despenca. Fico triste ou preocupada? Não. 

Quando eu estava andando em Madrid, em direção ao metro gostava de cortar caminho num terreno grande onde estão construindo um dos grandes centros olimpicos (Madrid está no páreo para 2016). E ali, durante o inverno, era uma terra seca e árida. Quando chegou a primavera, vi aquilo explodir em flores, quase de um dia para o outro, surgiam milhares de novas flores e aquilo me espantava, como num meio de um monte de areia, num terreno cheio de pedras, podia surgir tanta flor linda? E me veio a certeza que a mãe natureza faz milagres e que a vida tem uma força muito grande para acontecer. Se tiver que ser, a mãe natureza vai mostrar a sua força. E se não, tem a mão da ciência. E se nem assim der certo, talvez eu adote essas meninas chinesas fofas, de olhos rasgados, abandonadas pelo sua condição de mulheres. Acredito plenamente que amor vem do coração. E se não der vontade, também vou viver bem sem.

Marido. Quero sim! Adoooorrrroooo! E namoro até descobrir se me faz feliz. Se tenho uma vida boa sozinha, porque não teria acompanhada? Então não tenho pressa nenhuma em passar para esse estágio. Até porque acho uma delícia namorar. Uma convicção eu tenho, sozinha eu não fico.  Acredito que o ser humano nasceu para amar. E eu não tenho medo de amar. Nem de quebrar a cara. Nem de levantar. Nem de partir para o próximo. Dói, doi muito, aliás nunca entendi porque essa dor é tão forte. Mas não importa se a bunda caiu, se as rugas aparecem, se os anos vão passando, de novo, acredito que amor vem do coração. E ele vem sempre que o coração estiver aberto para ele.

Trabalho. Eu trabalhei desde menina. E trabalhei duro em todas as empresas enormes por onde passei. Para mim, é um luxo não trabalhar. LUXO. É duro não ter dinheiro entrando? É, é muito. Mas eu parei por opção, trabalhei para isso. Vou ter que voltar? É claro que sim. Mas com mais clareza, com mais tranquilidade. Lá na frente. E tô me preparando para isso. Antes de sair, fui falar com um consultor de carreiras, um cara sensacional, o Saulo Lerner. Ele me perguntou o que eu faço bem. Respondi que posso fazer muitas coisas bem, é uma questão de esforço. Coitado, quase me bateu para me fazer entender.  Mas entendi o que ele me disse. Ele me perguntou  o que faço naturalmente bem. E me deu um exemplo. Vc escreve com a mão direita, certo? Sim. Se vc se esforçar e treinar bastante, também vai escrever com a esquerda certo? Sim. Mas nunca com a fluência e tranquilidade com que vc naturamente escreve com a direita. Hum, entendi. E é isso que vc faz bem que vai te trazer satisfação! Eu procuro isso hoje, converso, testo, faço cursos, to no caminho.  Me dei o tempo para achar isso.

Minha amiga querida, Marise, usa a expressão ET. Acho uma boa expressão para as pessoas diferentes, para as minorias, mas sei lá, nunca tinha pensando nela para mim porque me sinto bem, tranquila e feliz. Mas se é assim que algumas pessoas me vêem porque não tenho as estruturas básicas, aceito. Apesar desse texto todo, não me importa o que os outros pensam de mim. Escrevo tudo isso porque gostaria que as pessoas entendessem que ter família e trabalho não é nenhum modelo de felicidade se não tiver como fundamento o amor. 

Creio que o que importa não é o que temos, mas sim o que sentimos. Creio que o importante é a pergunta "você é feliz?". Sim, sou. Sem mais, sem porém. E isso, é um exercício diário e como tudo na vida, requer esforço. 

No fundo, só gostaria que minha mãezinha querida entendesse também e não ficasse triste.  Mesmo que dito em português, infelizmente. E é nessas horas, que descobro não falamos a mesma língua.

 

5 comentarios:

Vandreza dijo...

Querida, Gostei do texto, do título, do seu argumento. Acho que a melhor coisa que a vida nos dá é esta oportunidade unica de "desestruturar" tudo e a todos e saber sorrir sempre :)
Love you, Van

Karen's updates dijo...

Querida Ju,
entendo perfeitamente o que voce esta dizendo; se me dessem o mesmo tema talvez escreveria a mesma historia. A "pressao" para mim eh um pouco menor no curto prazo, pois trabalho como voluntaria, nao tenho despesas e ainda recebo U$ 150 por mes. Mas a infalivel pergunta - "e depois, quais sao seus planos?" eh inevitavel. Por todos os lados: amigos, famila etc - em suma, por aqueles que nos amam... Entendi isso, levei um tempo tambem.
No que diz respeito a "o que eu faco bem feito" - eu sei, eh falar idiomas. E tenho algumas ideias/planos se formando quanto ao isso no futuro proximo. Ha alguns dias, me perguntaram se eu nao queria ir morar na California e trabalhar no Financeiro la - porque trabalho nas financas daqui e gostam do meu trabalho. Me senti feliz, porque faco tudo com o coracao e dedicacao e o reconhecimento eh o melhor presente. Mas recusei, gentilmente - pois nao eh em Financas que me realizo e minha prioridade eh aqui na Asia. Poderia ir, viver uma vida tranquila, em um lugar magnifico, com comida organica, ar puro, pessoas muito interessantes, animais como veados, coelhos e esquilos soltos, visitando a varanda da minha casa. Recusei - prefiro as ruas quebradas e a falta de luz de 18 horas/dia no inverno no Nepal. Porque eh aqui que posso dar o melhor de mim, o que me foi dado quando eu nasci...
Entao, querida, pode arrumar as malas porque a viagem eh longa - mas vale muito a pena.
Beijos, com amor,
Ka

Karen's updates dijo...

Ah, quanto ao "ET" - voce nao tem ideia de quantas vezes jah ouvi esta expressao. Ate a Kety, quando tivemos nossa primeira conversa, me mostrando os numeros me disse: "esse eh o que te faz um ET"! :-))))))

claudia dijo...

Viva os ET's !!!! Fico muito feliz que aos poucos as estruturas vao se quebrando, mudando, estabelecendo novas estruturas. Tambem sou ET, e olha que tenho marido e 2 filhos. Acho que nao isto o que conta, nao eh ter filho, marido, casa propria, emprego. Estes sao simbolos tangiveis de uma opcao de vida. A maneira como voce estrutura tudo isto eh o que faz voce ser um ET ou nao. Ex. - Ju, voce poderia estar trabalhando em uma multinacional, com um ape lindo, fazendo viagens sensacionais todos os anos, trocando de carro todo ano. Voce nao seria um ET. Ha miles de pessoas que estao assim hoje. A Karen podia estar casada, com 5 filhos e morando no Nepal, fazendo o que sabe fazer bem - ajudar a fazer um mundo melhor e ser uma ET. Ou seja meninas, o que faz voce ser um ET ou nao hoje em dia eh encaixar-se ou nao na sociedade economicamente ativa de uma maneira tradicional : bom emprego, bem pago, relacao de dependencia, planos futuros que nao fogem de comprar uma casa melhor, um carro melhor, um computador melhor, um celular do ano. O que faz a gente ser ET eh reconhecer o direito que temos de NAO ser isto, de nao se encaixar em nenhum modelo. De ser atores de nossas propias vidas. E Ju, sua mae podera nunca entender sua opcao de vida - mas sim vai entender que voce eh feliz.

judit kong dijo...

Poxa, meninas, quantas coisas lindas vcs escreveram! Obrigada mesmo!

Van,
é isso mesmo, desestruturar p/ ser feliz!

Ka, mana ET, fiquei orgulhosa de vc ter recebido o convite. Trabalho bem feito se reconhece sempre! Parabéns! E parabéns pela coragem de recusar, acho que nossa caminhada nos faz hoje reconhecer facilmente o que nos faz feliz ou não.

Clau,
quando eu comecei esse blog, tinha muito na cabeça esse ponto "de não se encaixar em nenhum modelo" e sim, de escolher os nossos modelos. Acho que aos pouquinhos eu to conseguindo mostrar isso. Obrigada por entender e me ajudar a explicar.

Amo vocês!