martes, 28 de abril de 2009

Maria Maria

Hoje eu fiz almoço aqui em casa, convidei a Eugenia, a "assistenta" que me ajuda aqui uma vez por semana. A gente sempre conversa sobre comidas dos nossos países e ela vire e mexe me traz algo típico do país dela, a Romenia. Semana passada ela me trouxe cozonac, um pão feito de cacau e passas que parece o nosso panetone de chocolate mas em formato de pão grandão. Nossa, comi tudo e o bom foi que ela trouxe um pedação então fiquei 3 dias comendo... de "rodillas".

E eu comentei com ela que em casa dos meus pais sempre se come um frango feito com shoyo e resolvi fazer para ela experimentar. É super simples, temperar sobrecoxas de  frango com alho, sal, pimenta e shoyo até ficar bem molhadinho e se tiver gengibre também, mas aqui não acho essas coisas. E fazer na panela, um pouco de oléo, dar uma fritadinha por cima, por baixo, por um pouco de água e deixar cozinhar até ficar cozido. Eu amo isso sempre fazia em casa porque é saboroso e fácil de fazer. Então to aqui de barriga cheinha, escrevendo porque lembrei de outra história.

O Ale veio aqui e ele é uma pessoa bem observadora, super rápido e com olho esperto para tudo. Vive achando coisas no chão, inclusive aqui, enquanto estávamos passeando em Pedraza, ele encontrou um brinco de ouro no chão. E ele ficava me perguntando se eu consigo distinguir as pessoas na rua. Digo distinguir no sentido de quem é mais rico, quem é pobre, quem é mais simples. E realmente aqui não é como no Brasil, que vc na rua pode perceber direitinho quem é quem, talvez pela fisionomia, talvez pelas roupas, talvez pela forma de andar, vc sabe quem tem um padrão de vida melhor ou não. Mas aqui não. A Eugência é loira de olhos azuis, forte e inteligente, na rua então todo mundo é muito parecido, as roupas são parecidas... Mas é que aqui o padrão também é bem maior. Um "camareiro" (nosso garçom) ganha um salário digno, as "assistentas"( nossas empregadas) também tem um salário bem melhor. 

Opinião particular, eu acho que o tempo influencia nisso. Ai, não ri. Deixa explicar. Aqui faz muito frio no inverno, se as pessoas ganham mal, não tem como pagar calefação e portanto morrem de frio. E alguém tem que fazer esses trabalhos, então paga-se um salário digno para manter a existência dessas pessoas. Got it? To louca ou simplifiquei demais?

Anyway, a história que me lembrou. No Brasil, quem trabalhava em casa era a Maria. Faz uns 18 anos que a Maria trabalhava comigo, desde que eu comecei a ter dinheiro para pagar. A Maria mora no coração e eu sinto muita falta dela. Mas o destino sabe o que faz porque na mesma época que eu me decidir viver por aqui, ela também resolveu mudar a vida dela, vender a casa dela e se mudar para a praia.

Isso mesmo, a Maria tinha casa. Que eu tenho muito orgulho em dizer que pude contribuir um pouquinho para essa casa. Quando eu era mais nova e vivia com meu namorado, conseguíamos pagar um salário um pouquinho maior para ela e ela tinha um terreno que recebeu na separação. Com um salário de empregada doméstica ela construiu uma casa. A caixa dágua foi presente meu, uns copos, umas xícaras, os armários eu comprei no meu nome e descontava mensalmente do salário dela. E outras coisas também mas não vem ao caso.

Sei que a nova casa dela também tem uma caixa dágua minha....hehehe, repetindo presentes. Mas o tempo passou e eu também me separei e não podia continuar com a Maria como empregada todos os dias. Então, já faz muitos anos que ela era faxineira e vinha só uma vez por semana. Quase não a via, as vezes falava por telefone mas ela nunca me deu dor de cabeça. Pelo contrário. Sempre tinha uma camisa com o botão no lugar de novo, a arrumação das panelas, louças e as vezes até a posição de um móvel novo era ela que fazia. E sempre fazia melhor do que eu. 

E no Natal ela vinha passar o dia com a minha família, ajudava e era presença constante. Me viu chorar algumas vezes assim como eu a vi chorar algumas vezes, um filho alcóolico, uma briga com o meu pai... E assim ia a vida.

Um dia, num jantar com algumas amigas,  uma delas me perguntou quanto eu pagava para a Maria. Respondi. E ela me olhou com um olho enorme "por que vc paga tudo isso para ela?" Era quase um "porque vc inflaciona assim o mercado?". Educadamente expliquei que ela é da família e deixa para lá. Mas eu sempre lembro dessa história.

Primeiro porque não pagava nenhuma fortuna. Pagava uns 35/40% a mais. E se alguém achar isso muito, pensem que é sobre uma base pequena. Sim, porque acho pouco o que se paga para as empregadas domésticas no Brasil. Pouco sim, pense se vcs conseguiriam viver com esse dinheiro.

Nesse dia, o jantar custou mais caro do que ela pagava para a faxineira dela para trabalhar um dia inteiro. E naquela época eu saia, e com certeza minha amiga, pra jantar várias vezes por semana. 

Falam das diferenças, da pobreza, do país miserável e da vida difícil dessas pessoas. Que moram longe, acordam as 5 da manha, chegam depois das 8 em casa e tem filhos para criarem, muitas vezes, sozinhas. Mas perpetuam o sistema ao pagar salários baixos. 

Quem tem um bom salário, consome, coloca o dinheiro de novo na economia, que assim cresce e gera mais riqueza. E isso não é responsabilidade só do Governo, dos políticos ou de alguém. Tem coisa que está ao nosso alcance. Na nossa cozinha. 

Afinal, a gente não vive torcendo para ter um aumento, um bônus? Eu repassava aumentos e bônus. Por mérito e por justiça. Obrigada, Maria. Que vc esteja bem e feliz. E vou te visitar na praia, ninguém se livra fácil de mim...

"Maria, Maria 
É um dom, uma certa magia, 
Uma força que nos alerta 
Uma mulher que merece viver e amar 
Como outra qualquer do planeta 

Maria, Maria 
É o som, é a cor, é o suor 
É a dose mais forte e lenta 
De uma gente que ri quando deve chorar 
E não vive, apenas agüenta 

Mas é preciso ter força 
É preciso ter raça 
É preciso ter gana sempre 
Quem traz no corpo a marca 

Maria, Maria 
Mistura a dor e a alegria 
Mas é preciso ter manha 
É preciso ter graça 
É preciso ter sonho sempre 
Quem traz na pele essa marca 
Possui a estranha mania 
De ter fé na vida "

Milton Nascimento

4 comentarios:

Karen's updates dijo...

mana,
acho que eu nunca vi a Maria, em todos esses anos em que ela trabalhou para você e para a Clau! Mas me lembro de uma história muito engraçada, em que ela disse estar fazendo uma novena no Natal para vocês duas casarem - e não é que deu certo?!
Você tem toda razão, temos que fazer a nossa parte. E, se possível, a parte que ninguém está fazendo também.
Beijos, super saudades,
Ka

claudia dijo...

Novena pra casar ? Acho que lembro desta historia...Eu ate hoje tenho minha carteira de trabalho "benzida" pelo pastor da Maria - uma marca de oleo que parece sujeira...Funcionou na epoca! Lmebro tbem que ela jurava que eu era aeromoca, que conheci o Marcelo em algum voo e que nao precisa mais trabalhar, hahahaha. Brincadeiras a parte, as "assistentes" fazem nao tem preco. So quem teve que "gerenciar" uma casa + filhos sem ajuda de ninguem (nem da mae, irma, tia vizinha..) que valoriza. Eu pago o que for preciso para manter... Corto ate TV a cabo, mas elas, dijeituninhum! Santa Maria!

judit kong dijo...

Mana e a memória dela.... Tem essa história sim, lembro bem porque TODO ano ela falava isso para mim.

Mas parece que santo de casa não faz milagre, ela também fazia para ela e continua solteira. E forte! Com a venda da casa dela, teve que dividir o dinheiro com a filha, deu um pedaço para o outro filho e com o que sobrou comprou um terreno com quatro paredes. E mudou assim mesmo. Saiu de casa com 2 malas gigantes mas não daria nem pro cheiro porque faltava até cimento!

Espero que esteja bem, vou lá dar uma checadinha quando chegar no Brasil.

Viva Maria!

Karen's updates dijo...

Mana, não diga assistenta, diga sempre "secretária". Politicamente correto e mais chic! ;-)
Eu achava que tinha boa memória até conhecer os monges budistas - me sinto uma lesada perto deles!
beijos